A autoridade foi confundida com autoritarismo.
O que a sociedade brasileira está discutindo, a propósito do BBB, é a moralidade dela mesma. Nós, e de certa forma o ocidente todo, nos tornamos uma sociedade amoral e hedonista.
A dança da garrafinha, já há alguns anos, era estimulada por certos pais que se divertiam vendo filhas, ainda crianças, praticando a dança sensual. As drogas alucinógenas reinam em todo o ocidente. A explicação é simples: tornamo-nos uma sociedade amoral e hedonista, como dito. É "proibido proibir". Duas guerras quentes e uma fria (com alguns episódios quentes), inflaram a propaganda, dos dois lados, baseada em liberdade e libertação, ao longo do século XX.
O avanço da democracia levou a uma vulgarização e ao alargamento dos conceitos de liberdade e de democracia. Autoridade foi confundida com autoritarismo.
A psicologia e a pedagogia, formas de conhecimento extremamente inexatos e nebulosos, prenhes de ideologia, difundiram a ideia ridiculamente falsa segundo a qual o diálogo é única e infalível forma de resolver todos os problemas enfrentados por educadores. Isso afastaria toda e qualquer forma de disciplinamento, agora estigmatizados como "violência", "desrespeito", ou ação "deformadora e traumatizante ao educando".
Pais, clérigos e professores irresponsáveis, ansiosos por mostrarem-se "modernos" (de fato seriam "pós-modernos") e "esclarecidos", movidos pela comodidade (enfrentar rebeldia de filho é desgastante e trabalhoso), aderiram sofregamente aos modismos "politicamente corretos".
A par disso, os aludidos educadores cometeram suicídio moral, adotando condutas que fazem corar até o "frade de pedra" da serra de Uruburetama. Desmoralizados ou neutralizados os tradicionais gestores da moral, a onda pós-moderna entregou a missão de educar aos artistas, intelectuais e ativistas políticos. Estes "novos gestores da moral" empenham-se em demolir todas as referências morais. Alegam que tais referências "neurotizam", contrariam a "natureza humana", não encontram fundamento em "verdades científicas", invocando ainda o "relativismo" gnosiológico e ético.
O teocentrismo (Deus no centro de tudo) foi substituído pelo antropocentrismo (o homem no centro de tudo), para uns; e pelo cosmocentrismo (a matéria cósmica, com supostas "leis naturais", no centro de tudo), para outros.
Quando o homem "é a medida de todas as coisas", nos termos da filosofia sofista, temos o fim dos limites. Historicamente isso não deu certo na civilização grega nem na romana. Artistas e intelectuais nunca cultivaram os bons costumes, sendo "gestores da moral" não podem criticar o BBB, salvo quando tenham interesse político em implantar o controle dos meios de comunicação, nos termos da "vontade de potência" (de poder), denunciado por Nietzsche. Daí o que temos é um projeto de ditadura dos "politicamente corretos".
O relativismo frouxo, tanto no campo moral quanto epistemológico (teoria do conhecimento), não pode reclamar do BBB, como de resto, não pode reclamar de nada. O homem não seria a "medida de todas as coisas", consagrando a arbitrariedade e a irresponsabilidade?
Os "novos gestores da moral" não sabem como conciliar o relativismo radical com a afirmação das suas próprias "verdades". Quando nenhum conhecimento merece crédito, quando nenhum valor moral tem valor em si mesmo, o relativismo moral e cognitivo também perde o status de verdade, já que tal não existe. Os alegados efeitos deletérios das medidas disciplinadoras, "produzindo neuroses e traumas" também são afirmações mortas (pela doença do relativismo radical).
Há alegação de que a educação contraria a natureza, já que estaria em franca contradição com as "pulsões de vida" - a que se referiu Freud. Isso, porém, não é relativo? Quando se diga que certas condutas havidas como imorais, pela moral tradicional, contrariam a natureza, não mais ouviremos que o homem não pertence à natureza? Que não existe "natureza humana"? Que o homem é inteiramente "construtuído" historicamente?
Quem está corrompida é a sociedade, não apenas a TV. Médicos fazem intervenções desnecessárias, advogados chafurdam na lama do crime, juntamente com policiais e demais agentes da lei; clérigos; estudantes (que praticam corrupção na UNE e fraude nos trabalhos escolares), fazem lembrar a declaração de Paulo: "todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus".
A expansão do "bem público" ou "interesse público", submetendo-nos todos ao controle do Leviatã (Estado hipertrofiado) não será solução. Os agentes do Estado também estão corrompidos. Veja o caso das drogas alucinógenas: a repressão é inteiramente falha, apesar do comércio de drogas, como qualquer outro comércio, ser necessariamente público, do conhecimento de todos. O nome disso é "corrupção generalizada".
Os "novos gestores da moral", não obstante se declarem relativistas, defendem violentamente dogmas pétreos, em nome dos quais querem regulamentar as relações entre pais e filhos, com a famigerada "lei da palmada"; querem controlar o que nós comemos, proibindo o consumo de frituras; querem nos proibir de ter meios de defesa, alegando que armas são perigosas para quem as tem (isso não é relativo?), declarando-nos incapazes de tomar decisões, de exercermosa guarda de armas e de utilizá-las criteriosamente.
Os "novos gestores da moral" podem ser "politicamente corretos", mas estão muito longe da coerência. Talvez se pautem pela frase atribuída ao Assis Chateaubriand, segunda a qual "a coerência é um atributo dos imbecis". Isso também lembra uma outra frase muito conhecida, esta do meu homônimo Rui Barbosa: "de tanto ver triunfarem as nulidades (...) o homem sente vergonha de ser honesto" (agora seria: de ser coerente). Entre uma e outra, eu prefiro a frase do grande baiano, embora ande me sentindo imbecil.
Prof. Rui Martinho Rodrigues
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