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  • Foto do escritorRui Martinho

Ameaça Totalitária: Cristo ou César



Vivemos tempos de exacerbação das paixões políticas. Nas instituições de ensino, na mídia, nas famílias e até nas igrejas ocorrem conflitos. Temos a exata representação da tese de Thomas Samuel Kuhn (1922 – 1926), na obra “A estrutura das revoluções científicas”, segundo a qual conjuntos abrangentes de referências teóricas e fáticas se tornam fechados, instalando-se a incomunicabilidade entre eles. A isso já se chamou cegueira dos paradigmas ou viés de confirmação, porque só assimila aquilo que ratifica a convicção estabelecida. Registre-se que Kuhn se referia aos meios científicos das chamadas ciências duras, como a Física. A política e chamadas ciências da cultura são muito mais permeáveis às paixões e interesses, uma vez que é mais difícil infirma-las, por não serem nomológicas, havendo sempre a possibilidade da irregularidade dos fenômenos ser invocada em defesa das falhas demonstradas nos experimentos sociais, políticos e econômicos.


Tempos desafiadores


Doutrinas podem acumular fracassos e ainda assim apresentarem-se como científicas ou fundadas em princípios humanísticos superiores. A dialética, classificada por Lucio Colletti (1924 – 2001) com uma “senhora de costumes cognoscitivos fáceis”, permite até a uma filosofia da práxis isentar-se das consequências de suas experiências concretas. O conflito se instala quando há uma pretensão resistida. O que se pretende e ao que se resiste gerando tanto conflito? Política, seja ela adjetivada como partidária, pública, social é a expressão de um projeto de poder ou contrapoder. Quando se diz mais Estado ou menos Estado, benefícios sociais, liberdades individuais discutimos poder e contrapoder. É um duro desafio resistir e arrancar a camuflagem da pretensão totalitária.


A natureza e a dinâmica do totalitarismo


É de bom alvitre que se esclareça o sentido dado às palavras. Totalitarismo é a prática ou aspiração de poder com atributos de decidir o bem e o mal, colocando-se acima dos direitos individuais, configurando assim um poder ilimitado, inclusive sobre as consciências. O domínio das consciências inclui a prerrogativa de submeter pela força, se necessário for (coerção), e de usar concretamente tal atributo (coação). A concepção de poder como a capacidade de obter uma conduta omissiva ou comissiva de alguém com ou sem a boa vontade da parte (Karl Emil Maximilian Weber, 1864 – 1920, na obra Economia e sociedade). Os reis e imperadores eram divindades, como os faraós e imperadores romanos. Os papas, na Idade Média, gozavam da plenitudo potestas, poder jurisdicional inicialmente sobre a Igreja, que foi se expandindo, chegando a colocar-se sobre o poder temporal dos reis.



O poder tende a expandir-se, buscar a direção de tudo e de todos, sendo por natureza indivisível. Por isso os chamados poderes da República representam divisões de funções do poder, para funcionem como freios e contrapesos intrínsecos ao poder indivisível, nos termos da impropriamente chamada Teoria da Separação dos Poderes, formuladas por Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu (1689 – 1755) Montesquieu, provavelmente com base nas contribuições de John Locke (1632 – 1704) e de Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.). Só o poder limita o poder. A luta que hoje inflama as relações sociais e até familiares é entre a vontade de potência e a vontade de verdade, desnudada por Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844 – 1900).


O conflito como resistência ao totalitarismo


A vontade potência se oculta sob a defesa do bem comum, defesa do bem, semelhante a um anjo de luz, analogamente ao que é dito em II Coríntios 11;14. A vontade de poder tem como objetivo a conquista de corações e mentes. Não pretende apenas apoderar-se do Estado, conforme palavras de Antonio Francesco Gramsci (1891 – 1937), para quem não bastava conquistar o palácio de inverno (alusão à tomada do palácio do Czar Nicolau II, em 1917). György Luckás (1885 – 1971) teria dito que o objetivo dos revolucionários não era a tomada do governo, mas o domínio da cultura, isto é, dos costumes e valores. Esta é a pretensão. O conflito é a resistência a ela. Resta saber quem se opõe a tal desiderato. São aqueles que têm apreço por valores e costumes das tradições ocidentais. O Ocidente é uma mistura heterogênea da epistem grega, com o pragmatismo romano e a revelação judaico-cristã.


A pretensão encontra resistência por parte dos que defendem o rigor epistemológico, como Karl Raymond Popper (1902 – 1994), que se opunha a dialética negativa do pós-estruturalismo ao modo de Michel Foucault (1926 – 1984) e ao romantismo herdado de Hegel (1770 – 1831), qualificando ambos como vanilóquio.


A ameaça ao rigor epistemológico


O totalitarismo pretende ser o único poder, dotado de capacidade demiúrgica com a qual deseja criar uma nova sociedade e por meio desta um novo homem. É preciso, para tanto, afastar toda e qualquer influência que possa concorrer com o seu projeto. A resistência epistêmica precisa ser destruída. Então as instituições de ensino precisam ser aparelhadas e os seus objetivos desviados do desenvolvimento cognitivo, passando a perseguir a empatia e a sensibilidade, conforme exposto com farta documentação por Pascal Bernardin (1960 – vivo), engenheiro, professor de computação e jornalista, na obra “Maquiavel pedagogo”. Farta documentação da ONU, da burocracia da União Europeia e do Ministério da Educação da França foi compilada pelo autor na obra citada. Mas este é um projeto totalitário? Sim, porque pretende dominar corações e mentes, limitar a capacidade cognitiva das novas gerações para conter a capacidade crítica em face do projeto de engenharia social e antropológica.


A ameaça ao pragmatismo herdado dos romanos


A análise crítica dos projetos de engenharia social e antropológica depende, em grande aparte, da razoabilidade proporcionada pelo pragmatismo. Sucessivos fracassos de um projeto recebem reprovação de quem é dotado do senso de realidade que o pragmatismo favorece. Por isso não se fala em produtividade e em investimento, mas em concentração e distribuição, sem falar na melhoria universal de indicadores objetivos de qualidade de vida, tais como mortalidade infantil, esperança estatística de vida, analfabetismo ou anos de escolaridade, benefícios sociais crescentes, direitos de minorias cada vez mais protegidos.


A razão proporcionada, senão pelo rigor epistemológico, ao menos pelo senso pragmático de realidade é afastada e substituída pela empatia e pela sensibilidade. As instituições de ensino vivem grave crise porque o titanismo dos românticos precisa impor a sensibilidade como substituta da razão. Trata-se de um tipo de romantismo pernicioso por colocar-se como fundamento de um projeto de engenharia social e antropológica. Isaiah Berlin (1909 – 1997), na obra “Ideais políticas na era romântica”, já vislumbrava essa tendência que evoluiria se tornando mais clara.


Conclusão: a pretensão, consciência e resistência e legítima defesa.


A abordagem emocional e epistemologicamente frágil dos temas sociais, políticos e econômicos servem ao propósito de dominar pela manipulação emocional. Exemplo disso é o debate sobre desigualdade. Não existe a menor preocupação em esclarecer se a igualdade de que tanto se fala é na chamada linha de partida (igualdade de oportunidades) ou na linha de chega (igualdade de resultados). Não se esclarece nada sobre o tipo de igualdade nem da distinção entre igualdade e diferença. Igualdade pode ser de todos em tudo; de todos em algo; de alguns em tudo; ou de alguns em algo (José D’Assunção Barros, na obra “Igualdade e diferença). Poucos dos arautos da igualdade sequer sabem da existência dessas nuances. Não se discute a problemática da convivência da igualdade com a liberdade. Poucos discutem o problema da meritocracia expondo ao público em geral a crítica de John Rawls (1921 – 2002) e Ronald Dworkin (1931 – 2013), que poderia suscitar divergências.


A ameaça ao cristianismo


A resistência encontrada pelo projeto de engenharia social e antropológica está se fortalecendo no campo dos valores e costumes. A origem da resistência, neste campo, em grande se radica na tradição judaico-cristã. A ideia segundo cada um dará conta de si mesmo a Deus (Romanos 14;12) fortalece as liberdades individuais. A engenharia social e antropológica e coletivista, criar um novo homem exige a assimilação de um modelo coletivo. Exige consciências padronizadas. O projeto demiúrgico se diz pluralista, mas sataniza como fobia, ignorância, preconceito ou discurso de ódio qualquer divergência. Prega tolerância, mas é intolerante com a tradição judaico-cristã. Invoca excertos descontextualizados do cristianismo para confundir cristãos. Cita o perdão dado por Cristo a prostituta que iria ser apedrejada, mas omite a frase final de Jesus no episódio, quando ele diz “vá e não peques mais”. Isso é omitido porque não coloca o perdão como excludente da exortação, nem da crítica.


É preciso destruir o cristianismo porque as igrejas são apoios e o totalitarismo quer o monopólio da assistência social e das consciências. Precisa disso para cultivar clientelismo. O cristianismo tem uma consciência diversa daquela que pretende criar um novo homem. A nova criatura, para os cristãos, não é obra da demiurgos humanos. É preciso destruir ou submeter o cristianismo para o totalitarismo dominar, como é preciso submeter todas as instituições que possam competir com construção de uma ortodoxia, tais como a escola e a família. O livro “O mundo não tem mais tempo a perder”, coordenado por Sacha Goldman, contendo ensaios de outros treze intelectuais, líderes políticos e celebridades prega o advento de um poder supranacional, com uma só moeda, uma só legislação ambiental, uma só filosofia e uma só religião.


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